segunda-feira, 28 de abril de 2008

REPORTaGEM


Para você o que é ser mulher?

Esta foi uma das pesquisas dramaturgicas do trabalho, e através de questionários feitos à diversas mulheres de diferentes classes e idades, chegamos as mais variadas respostas, as quais viraram um off que é pano de fundo para a partitura das bonecas, que abre a cena. Enquanto escuta-se num clima de conversa entre amigas, que ser mulher é comer pipoca em frente a TV, ou que é chupar o dedão do pé dele, ou mesmo abrir uma garrafinha de vinho para a parceira, as atrizes se desdobram no palco, revezando-se em partituras que trazem à cena três tipos de bonecas [mulheres?]: a boneca de pano, a Barbie e a boneca trasch [tipo a noiva do Chuck – rsrsrsrs].

E essa pergunta foi o título da reportagem que o jornal A Notícia fez com o grupo em 2006, confira abaixo:

“Para você o que é ser mulher?”

Espetáculo do grupo Teatro em Trâmite* aborda a condição feminina e discute aborto, violência e exploração sexual

DELUANA BUSS

Florianópolis

No processo de montagem da peça “a” – assim minúsculo mesmo, simbolizando uma mulher grávida, o artigo feminino, um alfa, um início de vida – o grupo Teatro em Trâmite, formado por alunos e ex-alunos do curso de artes cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), distribuiu um questionário com uma única pergunta: “Para você o que é ser mulher?”. As respostas foram muitas e variadas. Uma dizia que era ter passado a vida inteira se dedicando aos filhos. Outra que era sair na rua rebolando e receber os assobios dos operários de alguma obra. Ou ter dois seres em um só corpo. Ou se acariciar sozinha. Ou ter prazer com o marido. Ou ficar com as amigas vendo novela e comendo pipoca.

Foi a confirmação de que estavam no caminho certo: o universo feminino realmente era repleto de nuances, e o bom andamento das coisas dependia muito da atitude de cada um, e tudo isso precisava ser mostrado na peça. Tendo como atrizes Marina Monteiro, 23 anos, Luciana Holanda, 31, e Maria Amélia Netto, 27, e como diretores Meire Silva, 28, e Cleístenes Grött, 24, o contraponto masculino do grupo, o espetáculo “a” foi exibido nos dias 9, 10 e 11 deste mês, no Centro de Artes da Udesc. “Tínhamos receio da reação do público, principalmente dos homens, mas o pessoal realmente gostou”, comemora Meire, que já planeja nova temporada, ainda não agendada.

O receio é explicável: ao longo da peça, dividida em três monólogos, cada um com uma atriz diferente, são discutidas questões como o aborto, a violência e a exploração sexual, além dos dilemas, anseios e angústias enfrentados pelas mulheres ao longo das diferentes fases da vida. O texto que serviu de base para a montagem foi escrito pelo casal italiano Franca Rame e Dario Fo na década de 1970, e era extremamente feminista. “Ele rechaçava os homens, e não queríamos levantar esta bandeira”, lembra a diretora. Assim, trechos foram suprimidos, e outros acrescentados. As respostas ao questionário, por exemplo, entraram em off. O mesmo sistema foi usado para apresentar dados estatísticos sobre as mulheres na sociedade e no mundo, como sobre violência doméstica, crianças violentadas, o medo da denúncia, a preferência por bebês do sexo masculino na China e até uma pesquisa apontando que muitos homens acham que relações sexuais ficam melhores depois de uma boa briga.

Com o texto pronto, a equipe partiu para a elaboração do cenário, intimista para um público de 50 pessoas, cores vermelhas, formato triangular, simbolizando um útero. Na trilha sonora, desde músicas feitas a partir de cantigas infantis, até a canção “Elaeu”, de Tom Zé, que também traz o universo feminino como tema principal. A primeira a entrar no palco é Marina. Ela representa a mulher mais nova, iniciando a vida sexual, inexperiente, cheia de dúvidas. “Ela ainda não sabe que a relação depende 50% dela mesma”, avalia a atriz. A personagem fala de frigidez, mostra como o medo de engravidar atrapalha o sexo, mas é sonhadora, romântica. Pois não é que sofre violência sexual e engravida?

Depois entra em cena o segundo monólogo, com Luciana, que mostra uma personagem mais madura, que vai se conformando com a gravidez indesejada, e passa a gostar daquela criança que tanto transformou o seu corpo, não sem antes desejar que os papéis se invertessem, e o estuprado fosse o cara lá fora da sala de parto, que fuma um cigarro enquanto ela se descabela lá dentro. “A peça tem algo de comédia, pois falamos de algo pesado sem deixar esse peso aparecer. Primeiro as pessoas ficam chocadas com o tema, com nossas poses no palco, mas depois o sexo perde a força, e é o texto que ganha essa força”, afirma Luciana, lembrando que receberam elogios do público por estimular homens e mulheres a reverem suas posturas.

Nascida a criança – momento em que se discute as diferenças de criação entre os gêneros – parte-se para o terceiro monólogo, dessa vez com Amélia. Nesse momento ocorre uma ruptura, e o texto vira, digamos assim, uma divertida bagunça. Nove personagens são interpretados por uma única Amélia, numa história repleta de citações aos contos de fadas, por onde passeia uma menina com uma boneca, que para espanto de todos, adora apanhar e falar palavrões. É a consciência da doce menina, seu outro lado aflorando? Entenda como quiser, e depois vá discutir com os outros se realmente todos têm a mesma história pra contar*, afirmação, aliás, que é o nome original da peça de Franca e Dario.

FONTE: Jornal A Notícia, segunda-feira, 19/06/2006 – Santa Catarina. Anexo.

*Na época da entrevista o espetáculo fazia parte do repertório do grupo Teatro em Trâmite, atualmente pertence ao repertório do NAT – Núcleo Ação Teatral.

*Todos temos a mesma história para contar foi o texto que serviu de inspiração e ponta pé inicial para a atual dramaturgia do espetáculo. A atual dramaturgia homônima ao espetáculo, é fruto de um trabalho de pesquisa, e conta com diversas outras fontes de informação, sendo assinada pelo grupo.

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